agrofloresta

" Não desejes plantar sementes para a tua própria colheita, deseja apenas plantar para que surjam frutos que alimentem o mundo.
 Tu és parte do mundo, ao alimentares o mundo, alimentas-te a ti."
Ernst Götsch

introdução à agricultura sintrópica

A Sintropia refere-se à organização de partículas de um dado sistema. É a função que representa o grau de ordem e de previsibilidade existente nesse sistema. Quando o sistema transmuta de um nível mais simples para o complexo de forma convergente e concentrando a energia existente, trata-se de um sistema sintrópico.” 

in Agricultura Sintrópica segundo Ernst Götsch de José Fernando Rebello e Daniela Sakamoto

Os princípios da Agricultura sintrópica permitem-nos aliar a produção de recursos naturais ( alimentos, fibras, madeira, energia, entre outros) com a conservação do solo, da água, da fauna e da flora, cocriando assim Agroflorestas integradas com o ecossistema local. As técnicas e princípios que integram a Agricultura Sintrópica foram desenvolvidos por Ernst Götsch, agricultor suíço emigrado no Brasil que reconverteu centenas de hectares de solos degradados em agroflorestas produtivas.

Ernst Götsch começou, através da observação, o seu processo de entendimentos sobre os processos naturais presentes nos ecossistemas florestais. Iniciou assim várias experiências de sistemas agrícolas que usavam as árvores e as hortícolas de forma integrada com o meio natural, ao invés de tentar adaptar as plantas a condições que não eram convenientes ao seu desenvolvimento (modificação genética, uso de fertilizantes, herbicidas/pesticidas).

Com este tipo de observação em conta, a agricultura sintrópica traz a complexidade e interdependência entre os diferentes seres vivos que já existe na Natureza para a área da agricultura, criando assim o conceito agroflorestal . Este modelo devolve-nos a importância de um olhar atento perante todo o sistema e não apenas para os seres vivos individualmente, sendo que estes dependem de uma rede complexa que os interliga a todos.

conceitos básicos em agrofloresta

Antes de se implementar uma agrofloresta é importante tomar conhecimento de vários conceitos chave que facilitarão a implementação e a gestão deste sistema.

Solo, o Berço da Vida

O solo é a nossa Mãe! Todos os seres que já existiram enriqueceram o solo com nutrientes, os quais permitem que hoje tenhamos os alimentos que consumimos.

O solo diferencia-se em diferentes camadas, de acordo com a sua profundidade e as suas características físicas, químicas e biológicas. Quando retiramos a camada de plantas que se encontra à superfície, no primeiro horizonte do solo (Horizonte O), deixamos o Horizonte A, ou Topsoil, exposto à radiação solar direta.

O Topsoil situa-se entre os 5-20 cm de profundidade, apresenta uma tonalidade escura e é a camada do solo onde se concentram a maior parte dos nutrientes e microrganismos essenciais ao crescimento das plantas.
Atualmente, a maior parte dos solos destinados a explorações agrícolas encontram-se muito degradados devido às práticas intensivas com que foram explorados. Os solos degradados possuem muito pouco (ou podem até não possuir) Topsoil, o que gera uma maior lixiviação de água e nutrientes, não ficando estes disponíveis para as plantas que lá são introduzidas. Assim sendo, começaram a ser introduzidos nutrientes sintéticos (adubos) de forma a tentar maximizar o crescimento das produções agrícolas em solos degradados. Contudo, estas práticas apenas contribuem para a continuação da degeneração dos solos em vez da sua recuperação.

Sucessão Ecológica

De acordo com Ernst, existem três estágios principais da sucessão ecológica: placenta, secundário e clímax. Quando se começa um sistema de agrofloresta são introduzidas logo no início plantas pertencentes aos três estágios.

As espécies vegetais que integram a placenta (geralmente hortícolas) irão desenvolver-se mais rapidamente e irão criar condições mais favoráveis para as plantas que integrarão os estágios sucessionais seguintes, e que são mais exigentes em termos de nutrientes e outras condições abióticas. Quando as plantas do estágio secundário já estão mais adultas e as condições do local já foram melhoradas pelas espécies vegetais da placenta, estas últimas saem do sistema, pois já realizaram a sua função de criação e proteção do solo. O mesmo declínio e substituição acontecerá com as plantas do estágio secundário quando as plantas do clímax já tiverem as condições ótimas e o porte adequado para continuarem a desenvolver-se sozinhas. 

Estratificação

Numa floresta é notório que cada planta, quando atinge a sua idade adulta, adquire um tamanho característico da sua espécie. Este tamanho relaciona-se, em certa medida, com o estrato que esta planta ocupa, ou seja, com a necessidade de luz que a espécie tem. Ernst sistematizou a estratificação geral duma floresta em quatro estratos principais, são eles (por ordem decrescente de necessidade de luz): emergente, alto, médio e baixo. Cada estrato, exceto o emergente que recebe luz solar direta, vai receber uma certa quantidade de luz solar filtrada pelos estratos superiores que será ideal ao seu desenvolvimento. Na figura abaixo é possível verificar a percentagem de sombra gerada por cada estrato numa floresta já bem estabelecida.

A estratificação deve ser pensada e estabelecida logo desde o início da implementação da agrofloresta, selecionando e posicionando as plantas tendo em conta as percentagens gerais apresentadas acima. É também relevante salientar que todos os estágios de sucessão (placenta, secundário e clímax) devem ser planeados de modo a apresentarem estes quatro estratos. Como este sistema de agrofloresta e agricultura sintrópica foi desenvolvido com base em plantas de zonas tropicais, nomeadamente do Brasil, não existe ainda muita informação prática sobre os estratos das plantas que ocorrem naturalmente ou que conseguem proliferar bem no clima português. Assim sendo, saber observar a natureza que nos rodeia assim como as necessidades de cada planta é das melhores ferramentas para adquirir este tipo de conhecimento! Não há fórmulas pré-feita, apenas um vasto campo de experimentação que nos fará encontrar as nossas próprias respostas.

Interações Ecológicas

O nosso Planeta é um grande macroorganismo, no qual todos os seres vivos desempenham uma função específica e de igual importância. Ao retirar uma espécie do ecossistema alteramos o seu bom funcionamento, visto que as redes de interligação entre os seres vivos serão afetadas. Todas as espécies do Planeta agem “remando” no sentido de acumulação de energia neste grande Sistema, no sentido de beneficiar todo o macroorganismo; agem em cooperação.

Elementos de Distúrbio e a sua função



Os elementos de distúrbio aceleram mudanças, alteram os ciclos, mudando o estado do sistema, o que não é necessariamente mau (ex: poda).

Elementos de
distúrbio naturais:
– Incêndios;
– Tempestades;
– Marmotos;
– Animais (ex: elefantes)

Estes elementos dão uma informação ao sistema para que recomece um novo crescimento: o fogo acorda algumas sementes da dormência; as tempestades abrem clareiras, fomentando o crescimento de novas plantas; os elefantes abrem caminhos no meio das floresta, “podando” muitas árvores.

Departamento de Optimização

Ernst Götsch refere-se às pragas que surgem nas produções agrícolas como elementos fundamentais do departamento de otimização. Na sua visão, as pragas são mensageiros da Natureza, avisam-nos quando algo está errado no sistema ou quando este está em retrocesso, estagnado. Contudo, o ser humano em vez de tentar compreender o porquê das pragas terem surgido naquele sistema e de irem à raíz do problema, tentando melhorar as condições naturais do local, opta por uma solução temporária, eliminando-as. As pragas agem sempre com o intuito de otimização dos processos do ecossistema, por isso, em agricultura sintrópica, somos desafiados a olhar para elas como parceiros inteligentes que nos guiam no sentido de melhoria do nosso sistema.

Poda, o catalisador do sistema agroflorestal


A poda é uma forma de imitar a interação ecológica natural que acontece na floresta para estimular a evolução da sucessão ecológica do sistema. O corte limpo dos ramos da planta envia um sinal à planta para regenerar. Hormonas de crescimento são libertadas dentro da planta. Essa planta por sua vez envia um sinal químico através das raízes às plantas circundantes para elas também produzirem hormona de crescimento. A flora é um grande exemplo de cooperação e de comunidade.

Dica: é fundamental ter um bom par de tesouras de poda e manter as laminas bem afiadas. Por cada hora de trabalho com uma ferramenta deve afiar-se durante 15 min. O estímulo positivo só acontece com um corte limpo. 

 

ta, o que é
contra-produtivo. 

 

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DESIGN DE UM SISTEMA AGROFLORESTAL

Durante a Primavera de 2022 foi implementado um sistema de agrofloresta em linhas na Ananda Valley. Aquando da preparação do terreno verificou-se que o pH do solo estava um pouco baixo (pH mais ácido do que o desejável). Para tornar o pH mais propício ao crescimento das plantas que seriam introduzidas no sistema, incorporámos calcário dolomítico (100g/m2) com a fresa a uma profundidade de 10 – 20cm. De seguida foram marcadas 8 linhas com uma distância de 3 metros entre si, 4 linhas de frutíferas (F1, F2, F3 e F4) e 4 linhas de biomassas (B1, B2, B3 e B4), as quais se alternam entre si (como é possível ver na figura abaixo). Entre cada linha criaram-se: 4 entrelinhas onde foram semeadas gramíneas (para enriquecerem o solo aquando da sua poda e reintrodução no sistema sob a forma de biomassa); 3 entrelinhas com hortícolas. Foram também semeadas em todas as linhas e entrelinhas plantas destinadas à atração de polinizadores para o sistema. 

Linhas de Frutíferas
As linhas F1 e F3 incorporam árvores frutíferas dos estratos Alto e Baixo, as quais se encontram distanciadas 3 metros entre si. As linhas F2 e F4 incluem frutíferas dos estratos Emergente e Médio, estando distanciadas 2 metros entre si. Para além de árvores frutíferas, estas linhas incluem alguns hortícolas (como morangueiros, cebolinho e favas) que irão servir de Placenta (1o estágio sucessional) para as árvores frutíferas, isto é, ajudam a preparar o sistema para que este consiga suportar melhor (e.g., em termos nutricionais) as árvores frutíferas que lá introduzimos. Nestas linhas também foram introduzidas algumas árvores para biomassa, como o choupo e o sabugueiro, que nos permite não só ter biomassa disponível para cobrir o sistema e assim contribuir para o enriquecimento do solo, mas também permitem colmatar lacunas na estratificação das linhas.

 

As árvores frutíferas introduzidas nas linhas foram as seguintes (ao longo da linha, as frutíferas foram posicionadas de forma a que árvores de estratos diferentes estivessem alternadas):
F1 – Altos (castanheiro, macieira, diospireiro, amendoeira) e Baixos (medronheiro, mirtilos)
F2 – Emergentes (pereira, castanheiro, tília) e Médios (pessegueiro, medronheiro, ameixieira)
F3 – Altos (macieira, diospireiro, oliveira, loureiro) e Baixos (amoreira-herbácea, medronheiro)
F4 – Emergentes (nogueira, pereira, tília) e Médios (ameixieira, laranjeira)

Linhas de Biomassa
O objetivo destas linhas é a poda das plantas nelas introduzidas, tendo assim biomassa disponível para reintroduzir no sistema e melhorar a sua qualidade. A maior parte das plantas incluídas nestas linhas eram estacas. Como tal, de forma a maximizar a probabilidade de sobrevivência de, pelo menos, uma planta em cada posição, foram colocadas entre 2 a 4 estacas juntas no mesmo local. Caso muitas sobrevivam, estas serão podadas ou até mesmo eliminadas do sistema. As plantas introduzidas nas linhas de biomassa estão indicadas abaixo (a sua posição ao longo da linha teve em atenção a alternância de estratos):

B1 – Emergente (choupo, eucalipto), Alto (salgueiro) e Médio-baixo (loendro)
B2 – Emergente (eucalipto), Alto (amoreira-árvore, salgueiro) e Médio-baixo (sabugueiro)
B3 – Emergente (eucalipto), Alto (salgueiro) e Médio-baixo (sabugueiro, loendro)
B4 – Emergente (eucalipto), Alto (salgueiro) e Médio-baixo (sabugueiro, loendro).

CURSOS de Agrofloresta do EcoAtivo

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