A transformação de ecossistemas degradados é um desafio que exige conhecimento, cuidado e uma visão a longo prazo. Nos dias 27 novembro a 1 de dezembro, o EcoAtivo, em colaboração com a associação ambiental espanhola ADENEX, realizou uma intervenção no terreno da Ananda Kalyani, situado no concelho da Covilhã, com o objetivo de transformar um pinhal industrial abandonado num bosque biodiverso. Este projeto piloto, desenvolvido numa área de cerca de 2000 m², utilizou os princípios da agricultura sintrópica, promovendo a regeneração do solo e a criação de um sistema biodiverso e autossustentável. O objetivo principal foi criar uma barreira natural contra incêndios, aproveitando as vantagens de uma floresta biodiversa, que retém mais humidade no solo e reduz o risco de fogo. Baseado nos ciclos naturais dos ecossistemas, o design incluiu sucessões ecológicas e múltiplos estratos florestais (baixo, médio, alto e emergente), garantindo a criação de um sistema equilibrado e resiliente.
O projeto foi estruturado em duas fases principais: uma limpeza inicial do terreno e uma segunda fase dedicada à construção de estruturas, meias-luas, e à plantação de espécies cuidadosamente selecionadas.
1ª Fase: Limpeza e preparação do terreno
A primeira fase teve início com uma análise detalhada do terreno. O pinhal, originalmente plantado para fins industriais e abandonado há pelo menos uma década, apresentava um alto grau de degradação ecológica. A densa monocultura de pinheiros limita a biodiversidade, bloqueia a entrada de luz e deixa o solo ácido e seco devido à decomposição lenta da caruma.


Intervenções realizadas:
- Corte seletivo de pinheiros: Aproximadamente 70% dos pinheiros foram removidos, mantendo-se as árvores maiores (diâmetro superior a 20 cm) e espaçando os pinheiros restantes em torno de 3 metros. Esta abordagem foi adotada para permitir maior entrada de luz solar e criar condições para que novas espécies pudessem crescer.
- Gestão da biomassa: Toda a madeira cortada foi processada no local. Os ramos e troncos menores foram reservados para a construção das estruturas de retenção de água, enquanto os maiores foram armazenados para futura utilização como lenha. A reutilização da biomassa é um dos princípios fundamentais da agricultura sintrópica, que procura integrar todos os elementos do sistema de forma sustentável.
- Remoção seletiva do mato: Vegetação como giestas e urzes foi removida em grande parte, mas alguns exemplares foram mantidos para preservar a biodiversidade e proteger o solo.
Impactos da limpeza:
A abertura do dossel do pinhal permitiu a entrada de mais luz e melhorou as condições microclimáticas para as intervenções subsequentes. Além disso, a redistribuição da biomassa no terreno contribuiu para estabilizar o solo e prevenir a erosão.
2ªFase: Construção de meia luas e plantação
A segunda fase, realizada com a colaboração de nove voluntários da ADENEX, foi marcada pela construção de 40 meias-luas – estruturas em curva de nível desenhadas para reter água e promover a fertilidade do solo – e pela plantação de cerca de 400 árvores e arbustos.
Construção das meias-luas:
As meias-luas foram criadas utilizando biomassa disponível no local, como troncos e ramos de pinheiro. Cada meia-lua foi cuidadosamente construída, considerando o declive do terreno. Estas estruturas desempenham um papel central na regeneração ecológica, oferecendo benefícios como:
- Retenção de água: Captam e armazenam água da chuva, garantindo a disponibilidade de umidade para as plantas durante períodos secos.
- Estabilização dos solos: Reduzem a erosão e melhoram a capacidade de infiltração de água no solo.
- Fertilização natural: A madeira e outros materiais orgânicos, em decomposição, enriquecem o solo com nutrientes ao longo do tempo.
- Organização do espaço: Facilitam a plantação em padrões predefinidos, melhorando a eficiência do trabalho.
Seleção e plantação das espécies:
A plantação foi baseada nos princípios da agricultura sintrópica, com a escolha de espécies adaptadas às condições locais e distribuídas por quatro níveis de estratificação (baixo, médio, alto e emergente) e quatro sucessões ecológicas (placenta, secundárias 1 e 2, clímax). Entre as espécies plantadas destacam-se: Arbutus unedo, Cercis siliquastrum, Chamaecytisus palmensis, Viburnum tinus, Punica granatum, Casuarina equisetifolia, Ligustrum lucidum, Ficus carica, Olea europaea var. sylvestris, Quercus pyrenaica, Fraxinus angustifolia, Populus nigra, Ulmus minor, Cupressus sempervirens e Quercus ilex.
Para garantir um design eficiente e funcional na regeneração ecológica do terreno, foram implementados dois padrões distintos de plantação, denominados 1A e 1B. Estes padrões foram desenvolvidos com base nos princípios da sucessão ecológica e estratificação, assegurando que cada meia-lua incluísse espécies de diferentes estratos e fases sucessivas. A alternância entre os padrões permitiu diversificar as combinações de espécies ao longo da área de intervenção, criando um mosaico ecológico mais equilibrado.
Sementeira
Nas áreas de sucessão inicial (placenta), optou-se por semear uma mistura de trigo, azevém, aveia, tremocilho e ervilhaca, criando uma cobertura vegetal que melhora o perfil nutricional e estrutura do solo. Além disso, algumas bolotas de Quercus Ilex (azinheira) foram plantadas para aumentar a resiliência do sistema aos incêndios. A azinheira também podem ser considerada como “planta do futuro”, uma sucessão ecológica para as espécies que têm um ciclo de vida muito longo e uma taxa de crescimento muito lenta.


Desafios
- Terreno irregular: a inclinação acentuada tornou a construção das meias-luas mais difícil, exigindo cuidado redobrado na disposição das estruturas para evitar deslizamentos de solo.
- Falta de biomassa no local: a quantidade de ramos e troncos finos deixados na área de intervenção após o corte das árvores foi limitada. Para contornar essa dificuldade, teve-se que apanhar parte da madeira reservada para lenha.
- Impacto da fauna local: javalis e veados, comuns na região, representam uma ameaça para as plantações. Para mitigar este impacto, foram colocados tutores à volta das novas arvores e arbustos
Conclusão
Este projeto marcou um passo significativo na transformação de um ecossistema que estava estagnado, dominado por uma monocultura de pinheiros, num bosque biodiverso e resiliente. As intervenções realizadas criaram condições promissoras para revitalizar o solo e promover a biodiversidade, ao mesmo tempo que fortalecem a resiliência contra incêndios. Nos próximos anos, iremos monitorizar cuidadosamente os resultados para avaliar o impacto das ações realizadas e ajustar estratégias para as intervenções futuras. Planeamos continuar o trabalho na restante área do pinhal, aplicando abordagens aperfeiçoadas com base nesta experiência, expandindo assim o alcance e a eficácia destas ações regenerativas.









