No fim de semana de 19 e 20 de Outubro de 2024 o Ecoativo iniciou a primeira fase da restauração do charco da Ananda Kalyani. Recebemos o Jael Palhas, especialista em ecologia aplicada, que conduziu um pequeno curso prático sobre técnicas de recuperação de zonas húmidas.
Os charcos são ecossistemas de grande importância ecológica, desempenhando funções críticas como a regulação hídrica, a filtragem de nutrientes e a promoção de habitats ricos em biodiversidade. No entanto, muitos desses habitats encontram-se sob pressão, enfrentando degradação devido à acumulação de nutrientes, sombreamento excessivo, poluição, e mudanças nas dinâmicas das espécies. No caso específico do nosso charco, o seu estado geral apresentava sinais claros de disfunção ecológica. A densa cobertura de vegetação aquática e arbórea impedia a entrada de luz solar suficiente, criando um ambiente fechado e pouco propício ao desenvolvimento de uma comunidade diversificada de plantas e animais aquáticos. A biodiversidade era reduzida, o que comprometia a função natural do charco como regulador ecológico. Este desequilíbrio afetou diretamente as interações biológicas no local. A falta de condições adequadas inibiu o estabelecimento de uma fauna saudável, especialmente anfíbios, que dependem de charcos para reprodução. Em vez de sustentar uma comunidade ecológica equilibrada, o charco transformou-se num habitat favorável para a proliferação de mosquitos, já que os seus predadores naturais, como libélulas e aves, não tinham acesso facilitado à água ou não o identificavam como um habitat adequado.
Esta intervenção teve assim como objetivo melhorar a qualidade do habitat e promover o acesso à água, permitindo retorno de espécies-chave, como os anfíbios e os seus predadores, essenciais para a regulação natural do ecossistema. A colaboração com o Jael foi fundamental para orientar as ações que realizámos, focando na restauração da função ecológica do charco e na criação de condições favoráveis para a fauna e flora locais.


Uma das primeiras atividades foi a remoção das tábuas, Thypha domingensis, uma planta aquática que, apesar de não ser invasora, estava a crescer em excesso, ocupando uma parte bastante significativa do charco. O crescimento descontrolado desta espécie contribui para a acumulação de matéria orgânica que ao decompor-se eleva os níveis de nutrientes na água e no solo. Optámos por remover as plantas pela raiz, pois sendo uma espécie resistente e dominante, acabará por regressar ao sistema por si própria. Esta remoção foi essencial para abrir espaço para a proliferação de outras espécies aquáticas que têm um papel fundamental no equilíbrio do ecossistema. Além disso, toda a biomassa retirada foi reaproveitada como cobertura morta, em cerejeiras e outras árvores que estavam nas proximidades, promovendo a reciclagem de nutrientes no terreno envolvente.
Em seguida, focámos a nossa atenção no corte da vegetação circundante, que incluía várias silvas (Rubus sp.) e giestas (Cytisus scoparius), uma planta nativa com propriedades fixadoras de azoto. Embora a giesta tenha o benefício de melhorar a fertilidade do solo através da fixação de azoto atmosférico, a sua decomposição no local estava a contribuir para o aumento de matéria orgânica no charco, agravando o ciclo de acumulação de nutrientes. Ao remover essa vegetação, conseguimos reduzir significativamente a entrada de matéria orgânica no sistema aquático, criando melhores condições para o desenvolvimento de espécies nativas mais adequadas ao ecossistema e permitindo o restabelecimento da biodiversidade local.
A poda dos salgueiros foi outro passo crucial. Estes salgueiros, cujos ramos pendiam sobre a charca, bloqueavam grande parte da luz solar, dificultando o crescimento de plantas submersas e emergentes que dependem da luz para realizar a fotossíntese. Com a poda, aumentámos a entrada de luz, permitindo que a vegetação aquática se desenvolva de forma mais saudável. Ao mesmo tempo, evitámos que os detritos resultantes da poda caíssem na água, o que poderia agravar a acumulação de matéria orgânica. No entanto, decidimos manter algumas áreas de vegetação alta, com pilriteiros (Crataegus monogyna) e parte dos próprios salgueiros (Salix sp.) de forma a preservar zonas de refúgio e habitat natural para a fauna local. A preservação dessas zonas foi uma decisão estratégica, uma vez que proporcionam abrigo e alimento para várias espécies, aumentando a biodiversidade.
Por fim, para concluir a intervenção, plantámos 31 novas espécies de plantas aquáticas, cuidadosamente selecionadas para aumentar a diversidade do charco e promover um ecossistema mais equilibrado. Estas espécies foram escolhidas pela sua capacidade de estabilizar o solo, filtrar nutrientes da água e criar micro-habitats essenciais para diversas formas de vida. As plantas introduzidas incluem várias espécies de juncus, como Juncus fontanesii, Juncus articulatus, Juncus heterophyllus, Juncus rugosus, e Juncus valvatus, que são conhecidas pela sua robustez em ambientes húmidos e pela capacidade de promover a estabilização do solo. No grupo das mentas, optámos pela Mentha aquatica, Mentha arvensis, Mentha x Maximiliana (um híbrido entre M. aquatica e M. arvensis) e Mentha cervina, todas com propriedades aromáticas e que desempenham um papel importante no equilíbrio ecológico. Introduzimos também seis espécies de Potamogeton, que desempenham um papel vital na filtragem de nutrientes e na criação de habitat subaquático: Potamogeton perfoliatus, Potamogeton gramineus, Potamogeton lucens, Potamogeton pectinatus, Potamogeton natans e Potamogeton polygonifolius. Além disso, foram plantadas três espécies de Eleocharis: Eleocharis multicaulis, Eleocharis acicularis (conhecida como “junco-agulha”) e Eleocharis parvula, que ajudam na purificação da água e na formação de zonas húmidas mais saudáveis. Outras espécies adicionadas ao charco incluem Baldellia repens, Schoenus nigricans, Galium palustre, Ludwigia palustris, Utricularia australis, Caropsis sp, Nymphoides peltata (o Nenúfar-anão), Carex pendula, Alisma lanceolatum, Butomus umbellatus, Iris pseudacorus (conhecido como Lírio-amarelo-dos-pântanos), Schoenoplectus lacustris (bunho, utilizado tradicionalmente na cestaria), e Samolus valerandi (alface-dos-rios, que é comestível).
A gestão contínua de zonas húmidas como o nosso charco é essencial não apenas para manter o equilíbrio ecológico local, mas também para a sobrevivência de espécies ameaçadas. A salamandra-lusitânica, Chioglossa lusitanica, uma espécie endémica de Portugal, é particularmente sensível a alterações no seu habitat aquático, e intervenções como esta aumentam as chances de criar condições ideais para a sua reprodução e sobrevivência. Iremos monitorizar regularmente o impacto destas ações, garantindo que as novas plantas e a fauna associada se estabeleçam e que o charco volte a desempenhar o seu papel como regulador natural da paisagem, beneficiando a biodiversidade circundante e mitigando os impactos de degradação ambiental.








